Uma família de discípulos de Jesus
Exposição de Marcos

22. Jesus versus Legião (parte 1) [Mc 5.1-20]

Jesus versus Legião (parte 1)

1 Entrementes, chegaram à outra margem do mar, à terra dos gerasenos. 2 Ao desembarcar, logo veio dos sepulcros, ao seu encontro, um homem possesso de espírito imundo, 3 o qual vivia nos sepulcros, e nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo; 4 porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo. 5 Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras. 6 Quando, de longe, viu Jesus, correu e o adorou, 7 exclamando com alta voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me atormentes! 8 Porque Jesus lhe dissera: Espírito imundo, sai desse homem! 9 E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos. 10 E rogou-lhe encarecidamente que os não mandasse para fora do país. 11 Ora, pastava ali pelo monte uma grande manada de porcos. 12 E os espíritos imundos rogaram a Jesus, dizendo: Manda-nos para os porcos, para que entremos neles. 13 Jesus o permitiu. Então, saindo os espíritos imundos, entraram nos porcos; e a manada, que era cerca de dois mil, precipitou-se despenhadeiro abaixo, para dentro do mar, onde se afogaram. 14 Os porqueiros fugiram e o anunciaram na cidade e pelos campos.
Então, saiu o povo para ver o que sucedera. 15 Indo ter com Jesus, viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido, em perfeito juízo; e temeram. […] 19 Jesus […] ordenou-lhe: Vai para tua casa, para os teus. […]. Marcos 5.1-15, 19a.

Pregado na IPB Rio Preto em 22/06/2014, às 9h. | Download dos slides (em formato PDF, 9.3 MB).

Introdução

O título do sermão assusta, Jesus versus Legião. Também as diversas menções à ação demoníaca pode incomodar. Se você é um cristão saudável, você não sente prazer neste tema. Jesus Cristo e a glória celestial são assuntos mais aprazíveis, mas, como pastor, eu tenho de pregar todo o “conselho” ou “desígnio” de Deus (At 20.27).

Se o assunto é desagradável, por que investir tanto tempo nesta passagem? Simplesmente porque, no Evangelho de Marcos, contando apenas as menções no texto em Português da ARA, a palavra “demônios” aparece 8 vezes, “Satanás” é mencionado 5 vezes (Marcos não usa a designação “diabo”); “espírito”, referindo a demônios (“espírito imundo”, somente “espírito” ou “espírito mudo”) aparece 9 vezes (são 22 menções em 16 capítulos!). Em suma, parece que, para Marcos, o embate entre Jesus e os poderes das trevas é vital para a compreensão do Evangelho.

Ademais, Marcos é autor econômico, mas a confrontação entre Jesus e Legião “contém mais pormenores e enfeites do que qualquer outro episódio singular no Evangelho, antes da narrativa do julgamento”.[1]

Dito de outro modo, o Espírito Santo inspirou Marcos a falar sobre este assunto; isso sinaliza que devemos prestar atenção no que o Evangelho de Marcos diz. De certo modo, este 5º capítulo coroa ou fecha alguns temas abertos no 3º capítulo (retornaremos a este ponto em uma próxima ocasião).

O texto de Marcos acentua o estado lastimável do homem sob o poder de Legião, daí o título do sermão, “Jesus versus Legião”. Vemos ainda, neste texto, o poder restaurador da pessoa e da palavra de Jesus Cristo. Nesta manhã, olharemos mais detalhadamente para este homem sofredor.

I A grave situação da humanidade demonizada

1 Entrementes, chegaram à outra margem do mar, à terra dos gerasenos. 2 Ao desembarcar, logo veio dos sepulcros, ao seu encontro, um homem possesso de espírito imundo, 3 o qual vivia nos sepulcros, e nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo; 4 porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo. 5 Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras.

Preste atenção na expressão “humanidade demonizada”. Isso exige que eliminemos uma superstição muito comum. Nossa cultura é marcada por uma crença que não tem base na Escritura, muito difundida em filmes sobre exorcismo. Eu falo da ideia de que algumas pessoas se colocam sob a influência de Satanás ou demônios, mas isso acontece só com alguns, ou seja, o controle de Satanás sobre as pessoas não é algo generalizado (esta é a falsa concepção que chega até nós, difundida pela cultura).

Vejamos o que diz Efésios 2.1-3:

1 Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.

O que Efésios ensina é que toda a humanidade decaída é prisioneira de três coisas, primeiramente, do “mundo” (v. 2), o sistema de crenças e valores contrário a Deus. Todos os que não têm Cristo como Senhor e Salvador de suas vidas são escravizados pelo mundo. Ademais, lemos que andávamos “segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência”. Significa que toda pessoa inconversa está debaixo do domínio de Satanás. Não quer dizer que todo ser humano está possuído e precisa de um exorcista, mas essa é a situação de quem não tem Cristo — uma situação lastimável e muito séria. Por isso, ao escrever aos Colossenses, Paulo afirma que fomos libertos “do império das trevas” (Cl 1.13). Por fim, sem Cristo, éramos escravizados pela nossa “carne” (Ef 2.3).

Eis, portanto, o que precisamos entender. A humanidade inteira, sem Cristo, está debaixo do domínio de Satanás. A diferença entre uma pessoa que tem uma vida razoavelmente feliz, equilibrada etc., e alguém que se mostra como este geraseno ou gadareno é apenas de gradação ou gravidade, no que diz respeito aos sintomas e confirmações do domínio de Satanás sobre a vida.

Biblicamente falando, não apenas toda a humanidade sem Cristo está demonizada, mas o reino de Deus implica no que lemos em Mateus:

16 Respondendo Simão Pedro, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. 17 Então, Jesus lhe afirmou: Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. 18 Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra — [não a pessoa de Pedro, mas a declaração que Jesus é o “Cristo” de Deus] — edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mt 16.16-18).

Resumindo, o reino de Deus será implantado e a igreja de Deus é instrumento para romper a realidade do inferno e trazer vidas para o conhecimento de Cristo — para este reino de Cristo. Esta é a situação. Nós somos uma força estabelecida por Cristo nesta cidade. Nós somos agentes de Cristo para resgatar pessoas deste universo trevoso, dominado por Satanás, trazendo-as para debaixo da graciosa e bondosa soberania de Cristo. Compreendendo isso, retornemos a Marcos 5.

No sermão anterior eu mencionei algumas dificuldades de interpretação de Marcos 5.1-20. Começaremos a lidar com elas.

A primeira dificuldade: Algumas versões bíblicas registram que Jesus chegou à “terra dos gerasenos” — Gerasa (ARA); em outras consta “província dos gadarenos” — Gadara (ARC). Isso é assim porque, nas cópias mais antigas do texto grego de Marcos, consta “gerasenos”, nas mais recentes, “gadarenos”. Isso não afeta o entendimento da doutrina central da passagem. O objetivo de Marcos não é fornecer um lugar exato do episódio e sim sublinhar o significado da entrada de Jesus em território pagão.

Segunda dificuldade: Marcos menciona um endemoninhado, ao passo que Mateus fala de duas pessoas possessas (Mt 8. 28). Resposta: Os textos não são contraditórios, mas complementares. Jesus lidou com duas pessoas, mas, tanto Marcos, quanto Lucas concentram-se em um deles em particular, provavelmente, aquele que liderava.

O ponto a salientar é o poder destrutivo de Legião. Isso é verificado estado do homem. Olhemos para ele mais de perto (v. 1-5). Este geraseno ou gadareno é louco? A Bíblia A Mensagem confunde o leitor ao intitular a passagem como “O Homem Louco”. Não há dúvida de que ele revela um comportamento insano, mas outras versões bíblicas são mais fiéis ao pensamento do autor bíblico ao identificar o homem como um “endemoninhado” (NVI, ARA, ARC) ou “dominado por espíritos maus” (NTLH). A passagem diz que ele era “um homem possesso de” pneuma akathartos, “espírito imundo” (v. 2). A palavra “possesso” não está no original, de modo que poderíamos traduzir simplesmente: “Um homem com espírito imundo” (ESV; cf. NVI).

Três observações sobre esta designação “espírito imundo” (v. 2). Primeira observação. Para sermos fiéis ao pensamento do autor deste Evangelho — e também ao pensamento de Jesus — é preciso descartar as “perspectivas da psicologização biomédica e moderna” que enxergam este homem como alguém tomado por “neuroses estritamente privadas”.[2] Além disso, não fazem jus ao texto os que enxergam este endemoninhado do ponto de vista da “psicologia social” ou Teologia da Libertação — como uma pessoa que adoeceu mentalmente em razão da repressão política.[3] Um estudioso do NT — Myers — extrapola ao afirmar que “o endemoninhado representa ansiedade coletiva em face do imperialismo romano”.[4] Todas estas cogitações vão além do que o texto diz: “Um homem possesso de espírito imundo” (v. 2). Marcos relata um caso de possessão demoníaca.

Segunda observação. O que é possessão ou endemoninhamento? O Dicionário de Psicologia da APA (American Psychological Association), define “possessão demoníaca” como segue:

[Possessão demoníaca é] a suposta invasão do corpo por um demônio ou espírito do mal que assume o controle da mente ou da alma, produzindo transtorno mental, enfermidades ou comportamento criminoso. Muitas formas de doença física e psicológica costumavam ser atribuídas a tais possessões, notavelmente a epilepsia, a esquizofrenia e a síndrome de Tourette.[5]

Como saber de uma pessoa apresenta uma patologia meramente psiquiátrica ou psicológica ou uma evidência de possessão demoníaca? Muitos dos chamados “sintomas” de problemas emocionais ou mentais estão presentes na pessoa endemoninhada. A prova incontestável de possessão — e aqui eu fui muito ajudado por nossa irmã, Dra. Teresa Venâncio — é a apresentação de um fenômeno que não pode ser explicado pela Medicina. No caso deste geraseno ou gadareno, ele possuía força sobrehumana (v. 4). Como vemos nesta passagem, possessão demoníaca é a instalação de um ou mais espíritos imundos — ou demônios — em uma pessoa. Um ou mais espíritos maus entram em uma pessoa, a devoram de dentro para fora (os demônios a tornam cada vez menos “pessoa”, menos “humana” e mais animalesca e grotesca ou, no pior dos casos, mais “coisa”) e levam-na a prejudicar ou mesmo destruir outras pessoas.

E o que são esses “espíritos maus”? Não são espíritos de seres humanos (almas de gente que já morreu). O Espiritismo deixa de ser cristão quando ensina que os mortos podem se comunicar com os vivos, ou quando nega a ressurreição e ensina a reencarnação. De acordo com a Bíblia, os mortos não podem ter qualquer contato com os vivos (Lc 16.27-31). Os mortos só retornarão à terra no dia da ressurreição (Jo 5.28-29; 1Ts 4.16; Ap 20.11-13). Antes disso, os espíritos dos mortos ficam no céu ou no inferno aguardando a volta de Jesus Cristo (Lc 16.22-25; 23.43; Jo 14.1-3; Fp 1.23). Estes “espíritos imundos”, mencionados nos Evangelhos são demônios, anjos decaídos de seu estado original, que seguiram Satanás em sua rebelião no céu (Ap 12.7-9). Eles são também chamados de “principados e potestades, […] dominadores deste mundo tenebroso, […] forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6.12).

Terceira observação. A designação “espírito imundo” (v. 2), pneuma akathartos, evoca a ideia de akatharsia! Em Efésios 5.13, akatharsia é traduzida como “impurezas” e significa todo lixo moral ou sujeira proveniente de devassidão, desregramento ou licenciosidade. Em Gálatas 5.19 akatharsia é a segunda obra da carne, traduzida como “impureza” e tem o sentido de imundícia. Para John Stott, a palavra indica “comportamento anormal”.[6] Barclay sugere que o termo indica algo que “dá nojo à pessoa que a presencia”[7] e possui quatro ideias principais:

  1. Indica “um tipo de mente que é poluída em si mesmo e que polui tudo quanto passa por ela”.[8]
  2. Refere-se a uma impureza repulsiva que desperta ojeriza nas pessoas decentes que olham para ela.
  3. Akatharsia tem um sentido ritual. Era usada para aquilo que impedia a pessoa de entrar na presença de Deus. Assim sendo, seu uso descreve “a impureza ritual e cerimonial” que exclui “o homem da presença de Deus” e contrapõe-se à pureza de coração exigida na verdadeira adoração (Mt 5.8).[9]
  4. Akatharsia aponta, literalmente, para “uma contaminação geral da pessoa inteira, maculando todas as esferas da vida”.[10] É exatamente isso que os demônios fazem.

Repetindo, sem Cristo, todos estão debaixo dessas influências satânicas ou demoníacas. A diferença é só de gradação. Ainda que nem todos os seres humanos possam ser identificados como possuídos, todos os que não estão em Cristo, estão demonizados, como aprendemos em Efésios 2.1-3.

O que define a gravidade da situação é o quanto a pessoa mergulha nas trevas. Isso nos qualifica pra entendermos melhor a situação daquele homem sob o domínio de Legião.

II Cinco marcas do homem sob Legião

1 Entrementes, chegaram à outra margem do mar, à terra dos gerasenos. 2 Ao desembarcar, logo veio dos sepulcros, ao seu encontro, um homem possesso de espírito imundo, 3 o qual vivia nos sepulcros, e nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo; 4 porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo. 5 Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras.

Este era o estado daquele homem (v. 3-5). A podridão moral e espiritual que tomava conta de sua alma imbricava em cinco comportamentos.

Tais “comportamentos” não são apenas “sintomas”, mas apontam para “causas” do endemoninhamento. Dito de outro modo, este homem não é uma vítima inocente ou capturada inadvertidamente. O relato nos ajuda a compreender o que aconteceu com ele e, de modo mais amplo, traduz um alerta a todos nós. Por que eu invisto tempo falando sobre isso? Simplesmente porque nós, que frequentamos igrejas evangélicas, podemos ser atraídos pelas mesmas coisas que subjugaram aquele homem de Gerasa. Vejamos o estado deste homem de Marcos 5 e tenhamos cuidado!

Primeiro comportamento daquele homem: Apego ao ocultismo. Ele “vivia nos sepulcros” (v. 3). Percebamos o quanto ele se encaixa na profecia de Isaías 65.4. O profeta Isaías fala dos necromantes — pessoas que habitavam “entre as sepulturas”, passavam “noites em lugares misteriosos” e comiam “carne de porco e […] ensopado de carne abominável”, uma provável referência a “ratos”, como lemos em Isaías 66.17. Este comportamento, que soa insano aos nossos ouvidos, descreve “uma prática reconhecida entre as religiões pagãs”.[11] Ridderbos nos informa que esta prática pagã tinha por finalidade fazer contato com os mortos e “receber oráculos em sonhos”.[12] Estes “necromantes, […] asseveram que mediante a íntima conexão com o ‘seu’ deus ou espírito, absorvem uma espécie de ‘santidade’ ou poder mágico em seus corpos e roupas”.[13]

O contato com os mortos equivale ao contato com os demônios.[14] Aquele homem chegara àquele estado degradado devido ao seu envolvimento com coisas ocultas. Isso deve nos fazer olhar com mais cuidado algumas coisas que nos são impostas por nossa cultura. Cada vez mais, somos motivados a celebrar “heróis” que têm seu lado “negro” — a alma presa às trevas. Exemplos: Hellboy, o garoto do inferno; Batman, o Cavaleiro das Trevas ou, mais recentemente, Malévola. Na última sexta-feira, dia 20 de junho, uma pessoa cristã publicou no Facebook: “Eu recomendo Malévola”. Definitivamente, para nós, cristãos, o herói recomendado é o Senhor Jesus. Nós recomendamos a todos que conheçam “Benévolo”, o grande drama de ação e heroísmo estrelado por Jesus de Nazaré, o Filho de Deus. Cuidado com o primeiro comportamento do geraseno ou gadareno. Fujamos de todo apego ao ocultismo!

Segundo comportamento do geraseno ou gadareno: Absoluta inadequação social. Isso é confirmado por três fatos: Ele prefere a solidão dos túmulos do que a companhia dos vivos: “vivia nos sepulcros” (v. 3). Ele é agressivo ao ponto de:

  • Afastar-se de seus familiares (v. 19).
  • Mostrar-se desagradável e ameaçador aos que se aproximavam dele; por isso as pessoas não viam outra alternativa, senão tentar “prendê-lo” e “subjugá-lo” (v. 3, 4).
  • Indispor-se ao ponto da violência; ele se comporta como um animal irracional furiosíssimo que quebra “cadeias” e despedaçava “grilhões” (v. 4).

Cuidado com a tendência ao isolamento! Cultivar momentos de reflexão sadia, enlevo estético ou vida devocional a sós com Deus é muito bom e necessário, mas isolar-se mastigando ressentimento e agressividade contra as pessoas próximas de nós é coisa perigosa. Para o bem de nossas almas, temos de buscar a bênção de Deus no bom convívio familiar e na comunhão com os irmãos da igreja!

Terceiro comportamento: Tornar-se uma criatura da noite. Não é incomum nós termos algumas noites de sono ruim, decorrentes de diversos fatores explicáveis pela ciência (o cuidado com um bebê recém-chegado, estresse, problemas digestivos etc.). Aquele homem, porém, era tomado por uma insônia incurável: “Andava sempre, de noite e de dia” (v. 5). No NT, Jesus é a estrela que anuncia a chegada de um novo dia (Ap 22.16). Os discípulos de Jesus são identificados não com a noite, mas com o dia:

Porquanto vós todos sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite, nem das trevas (1Ts 5.5).

8 Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios, revestindo-nos da couraça da fé e do amor e tomando como capacete a esperança da salvação; 9 porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo, 10 que morreu por nós para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos em união com ele (1Ts 5.8-10).

A não ser por motivos médicos, ou no atendimento a uma necessidade familiar ou de nosso próximo, ou uma contingência profissional, utilizemos a noite para dormir. Não abramos espaço para hábitos notívagos. Tentemos, o mais que pudermos, dormir cedo e dormir bem. É preciso alinhar nossos hábitos à nossa identidade em Cristo — “nós “somos do dia”.

Quarto comportamento do geraseno ou gadareno: Angústia incontida. Ele era visto “clamando por entre os sepulcros e pelos montes” (v. 5). O verbo krazō, traduzido por “clamando” não se refere a um grito qualquer, mas pode ser entendido, literalmente, como “chorando alto”. Em outras palavras, seu sofrimento era patente ou visível a todos que o conheciam. Provavelmente seu rosto nada mais era do que uma máscara medonha de sofrimento irreprimível.

Quinto comportamento: Dor autoinfligida. Ele cortava a si mesmo: “[…] ferindo-se com pedras” — “cortando o próprio corpo” [A Mensagem] (v. 5). O nome contemporâneo para isso é automutilação. A automutilação é uma prática cada vez mais comum, mesmo entre os cristãos. Isso é reforçado pelos exemplos de automutilação de algumas celebridades da música. Neste texto, o inspirador da automutilação é “Legião” — a horda de espíritos demoníacos que foi enfrentada e vencida naquela noite pelo Senhor Jesus Cristo.

Dito isto, a gente já pode concluir.

Concluindo…

Eu sei que esta mensagem foi sombria. Eu gostaria de falar sobre coisas mais alegres e destacarei isso na próxima mensagem, quando veremos o modo como nosso Senhor Jesus Cristo venceu aquele legião de demônios. O fato, porém, é que nós não poderíamos dimensionar a vitória de Jesus (que abordarei no próximo sermão), sem compreender o estado geral deste homem geraseno.

Ele é atraído pelo oculto (idólatra), isolado das pessoas que o amavam (ególatra — ele achava que bastava a si mesmo e não precisava de mais ninguém), desalojado do dia e colado à noite (notívago), angustiado e mutilado, por dentro e por fora (autodestrutivo). Repetindo, este homem não é uma vítima; ele colhe as consequências do que buscou; tudo começou com idolatria, passou por isolamento social, desdobrou-se em noites insones e culminou em sofrimento autoinfligido. Que estado grave e assustador! Temos de saber que há um poder destrutivo em Legião. O que este homem sofre não é brincadeira! Os homens não conseguem prendê-lo porque ele já foi feito prisioneiro por Satanás — está sob as cadeias do inferno, amargando pesado jugo.

E quem pode libertá-lo? Somente Jesus Cristo. Jesus é quem acalma não apenas o mar, mas também o geraseno. Notemos a mudança naquele homem, registrada em Marcos 5.15: “Indo ter com Jesus, viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido, em perfeito juízo”. O homem tresloucado é encontrado arrumado e pacificado. É belíssimo isso que acontece em Marcos 5!

E por que isso é assim? Porque o Cordeiro de Deus vence o embate com as trevas. O Cordeiro de Deus se coloca em nossa frente e recebe, em nosso lugar, todo choque ou impacto do mal, a fim de nos libertar. O Cordeiro de Deus vence o mal porque ele é Deus, ele é o “Filho de Deus” que liberta os cativos — Marcos é o “evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc 1.1). O que vemos em Marcos 5.1-20 é uma antecipação da grande vitória de Cristo na cruz e ressurreição! Este Cordeiro de Deus enfrenta e vence todo poder de Satanás. Nós podemos, alegremente, afirmar “nosso Cordeiro venceu; vamos segui-lo”. Amém!

Notas

[1] MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Edições Paulinas, 1992, p. 237. (Grande Comentário Bíblico).

[2] MYERS, op. cit., p. 239.

[3] Ibid., loc. cit.

[4] Ibid., p. 240.

[5] VANDERBOS, Gary R. (Org.). Dicionário de Psicologia. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 719-720. Grifo nosso.

[6] STOTT, John. A Mensagem de Gálatas: Somente Um Caminho. 1. ed. 1989. 3. Reimp. 2003. São Paulo: ABU, 2003, p. 134. Grifo nosso.

[7] BARCLAY, William. As Obras da Carne e o Fruto do Espírito. 1. ed. 1985. Reimpressão 1988. São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 30-31.

[8] BARCLAY, op. cit., p. 31. Grifo nosso.

[9] Ibid., loc. cit. Grifos nossos.

[10] Ibid., loc. cit. Grifo nosso.

[11] OSWALT, John. Isaías. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 767. v. 2. (Comentários do Antigo Testamento).

[12] RIDDERBOS, J. Isaías: Introdução e Comentário. 2. ed. Reimp. 2008. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 505. (Série Cultura Bíblica). Schökel e Diaz entendem que Isaías 65.4 se refere a “um culto de sacrifícios oferecidos em jardins idolátricos (cf. Is 1.29), talvez em honra de Tamuz (como em Is 17.10). […]
Havia sepulcros com câmaras suficientemente espaçosas; provavelmente praticavam, ali a necromancia, proibida na legislação (Lv 19.31; Dt 18.11), praticada ilegalmente (1Sm 28; Is 8.19); talvez se relacione com isso algum culto da morte com o seu contato ou com a sua vizinhança”. Cf. SCHÖKEL, L. Alonzo; DIAZ, J. L. Sicre. Profetas I: Isaías, Jeremias. São Paulo: Edições Paulinas, 1988, p. 399. (Grande Comentário Bíblico).

[13] RIDDERBOS, op. cit., loc. cit.

[14] OSWALT, op. cit., p. 766.

4 Comentários

  1. Dou gracas a Deus pelo sermao. Grande oportunidade de crescimento no conhecimento da graca de nosso Senhor Jesus Cristo…

  2. Oi, Pastor Misael! Saudades..
    Quero receber suas publicações por email, já até marquei a opção abaixo. Espero revê-los em breve!
    Ah! Parabéns, Vovô!! hehe
    Um grande abraço!

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